Concertos de Sharon Jones & The Dap Kings em Portugal



3 de Julho - Casa da Música (Porto)

Um Furacão chamado Sharon Jones por Filipe Cravo



3 de Julho, dia murcho, cinzento. Facilmente poderia ficar para a história como apenas mais um domingo de mau Verão, não fosse um pequeno apontamento a fervilhar na agenda.
Assinalado a marcador vermelho, um pormenor suficientemente grande para ser capaz de alterar o percurso de um dia desinteressante, qual grão de areia na engrenagem: Sharon Jones & the Dap-kings na Casa da Música.

As expectativas eram altas. Em 2005 estive presente no Santiago Alquimista e sobrevivi ao furacão Sharon. Como vítima, posso afirmar que estar perante uma força da natureza – positiva – que nos puxa para fora do pântano que é o quotidiano, é algo que não se esquece. As minhas estruturas abanaram, algumas chegaram mesmo a cair, obrigando-me a repensar e a reconstruir parte dos meus alicerces. Dois anos depois, já prevenido pela experiência anterior, entrei na Madame Jojo’s à espera de mergulhar no meio da tempestade. E assim foi.


Agora, seis anos depois da primeira comoção, honestamente, receava já não estremecer como dantes. O último álbum (I Learned the Hard Way) pareceu-me demasiado Motown pop, demasiado ansioso por abraçar um público mainstream ou, por outras palavras, demasiado polido – distante da gritty Soul a que Sharon Jones nos tinha habituado.

Na Casa da Música, a sala programada para o concerto tornou-se demasiado pequena para tanta procura, forçando um realojamento da banda para uma sala Suggia, de cadeiras mal-vindas para quem esperava dançar. À hora marcada, entram os Dap-Kings – sem Bosco Mann e Thomas “TNT” Brenneck – e Binky inicia o seu lado MC, disparando frases feitas num discurso de energia crescente, culminando com a apresentação de Sharon Jones ao público, tal como Bobby Byrd fazia com James Brown.

Foi bom constatar que, apesar da fama atingida nestes últimos anos, Sharon Jones continua a ser genuína, interagindo com o público, dançando freneticamente enquanto conta a história dos seus antepassados nigerianos, abraçando como ninguém uma energia positiva contagiante que vai sendo destilada ao longo das suas interpretações. Esta senhora manda em nós e nós gostamos. E a partir daqui, tudo se resume a uma experiência única, difícil de verbalizar. A distância entre o que se traduz por palavras e o que realmente acontece num concerto de SJ&DK, é tão grande como a que separa a audição de um álbum e a performance ao vivo desta banda. Os álbuns podem ser bons, mas em nada se comparam às interpretações ao vivo! Em palco, até os temas mais suaves se tornam arrepiantes. No fundo, tudo se resume a isto: a alma de Sharon Jones é demasiado grande para ficar numa rodela! Got to be there to know it!




4 de Julho - Cool Jazz Fest (Cascais)

Get Up! por João Gaspar


Em Cascais, o colarinho e o vestido de pompa tiveram preguiça em levantar-se das cadeiras, mas o funk conseguiu levar a melhor perante algum público devoto a escutas com um pouco mais de etiqueta. E no dia 4 de Julho, no Cool Jazz Fest, o suor é que acabou por contar, com um público rendido a uma noite que cheirou sempre a James Brown. Versão portuguesa e versão feminina. Entrada e prato principal. Cais do Sodré e Sharon Jones. No final não houve ninguém que não ficasse de barriga cheia.

Perto das oito, quando as portas do Parque Marechal Carmona abriam, nada faria prever uma enchente. Pouco mais de duas dúzias de pessoas entravam no relvado. Contudo, assim que os Cais do Sodré Funk Connection ligaram os motores o recinto já se compunha. Com Fernando Nobre, também conhecido por Silk, a liderar a banda residente do Music Box, a plateia começou a transformar a frente do palco numa pista de dança. Ouviu-se James Brown, Etta James mas também alguns originais da banda. Houve tempo para troca de fatiota por parte de Silk e muitos incentivos para que o público largasse as cadeirinhas e abanasse as ancas.

Desconhecidos para muitos, os Cais do Sodré Funk Connection conseguiram arrecadar uma prestação memorável, numa pujança a la anos 70, sem diminutivos e com um funk cru e duro, como se gosta, e com um frontman arrebitado e efervescente a resgatar passos de dança de outros tempos, sempre acompanhado pela doce (e também destemida) voz de Tamin. Contudo, não foi tudo um reviver de passado, encontrou-se na música do grupo lisboeta uma abordagem fresca e interessante, mostrando uma maturidade à altura dos Dap Kings e da senhora Sharon Jones.

E falando neles, lá apareceram, primeiro os Dap Kings, liderados por Binky Griptite, a aquecer e a engraxar o palco para os pés incansáveis do “fenómeno do funk”, Sharon Jones, como muitas vezes a apresentou Binky Griptite, com tiques de apresentador de anos 70, dividindo funções durante o concerto entre band leader, entertainer e retalhista. Faltava Bosco Mann, baixista e produtor de Sharon Jones and the Dap Kings e ainda co-fundador da Daptone Records, essa editora que nos traz delícias de quando a quando. Contudo, a banda residente da editora americana mostrou como se faz, exímia e rodada por entre outros projectos da Daptone, esfregou bem o palco. Depois lá veio o furacão, a bomba, o estrondo de toda uma noite.


Meus senhores e minhas senhoras, Sharon Jones só dá para compreender ao vivo. O trabalho que se ouve em disco é qualquer coisa, mas ao vivo é a experiência de se encontrar a reencarnação feminina de James Brown, sem tirar nem pôr. Irrequieta, de voz possante, a senhora de pouco mais de metro e meio mostrou como se fazem. Tem 55 anos mas lança-se em palco numa dança esquizofrénica que deixa qualquer um de boca aberta. Abanou a anca com dois rapazes pescados da plateia, escavou danças de outros mundos e ainda se embasbacou com um momento que fica na memória dos que lá foram. Um menino, que não teria mais que dois anos, lança-se tímido no palco, depois de escapar aos braços da mãe. De chupeta e cobertor olha para a Sharon Jones e tenta imitá-la. Ela tenta ensiná-lo a abanar-se. Ele, com grandes dificuldades, vira-se para o público e atira para plateia a chupeta, o cobertor, num jeito de “que se dane! Eu vou é dançar com a senhora Sharon!”. Até nos Dap Kings se viram rasgos de gargalhadas, que até aí se mostravam numa cara séria de músico profissional. Depois do momento, o resto foi o alongamento de um concerto que estava sempre prestes a acabar. Com Sharon Jones é assim. Não se acaba, não se pára e sai-se de suor nos sovacos e de sorriso satisfeito na cara. A mulher é uma bomba, assim como foi a noite. Browniana, veraniana e a recordar que o funk é mestre em fazer dançar. Get Up! O resto já sabem…


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