José James no Hard Club (8 de Maio)



Quando se vai a um concerto de José James não pode haver baixas expectativas. Com um álbum bem fresquinho, “No Beginning No End”, a estrear-se pela gigante Blue Note, o músico norte-americano deu um salto até à Europa. Apanhámo-lo no Hard Club, no Porto, onde José não se limitou a apresentar o seu mais recente trabalho. Foi buscar coisas antigas, brincou aos encores e ainda teve tempo para pegar nas suas referências musicais e não se pense que, com elas, só andou pela soul. Mas já lá chegamos…
Então ali tínhamos José James, num Hard Club meio cheio, prestes a presentear-nos com duas horas onde a harmonia do jazz e da soul andaram de volta de uma cadência de hip-hop. Uma fusão evidenciada pela própria banda com José e o trompetista Takuya num ritmo de beats, enquanto que o teclista Kris Bowers e o baixista Solomon Dorsey atiravam-se para uma jinga mais soul.
Mas enquanto andava este gajo a topar ritmos e jingas, os músicos já se tinham apresentado na habitual jam session e José James já nos atirava para a All over your body, tema perfeito para arrancar o concerto, com um público pouco conhecedor das músicas de José James. Depois de aquecer o palco, José queria subir o pitch da coisa e lá veio a Trouble, música mais veloz, bem esticada, rápida, e onde o senhor de Brooklyn com raízes do Panamá começou às brincadeiras com a voz. Mistura a letra, vai buscar palavras do princípio com versos finais, aumenta a velocidade, baixa a velocidade, como se tivesse à sua frente uma qualquer mesa de mistura.
José James vai destacando Taku, o trompetista que se abana que nem senhor do hip-hop, mas assim que entra o medley de homenagem a Bill Withers (faz 75 anos a 4 de Julho), a coisa muda de figura. Arranca com a Ain’t No Sunshine, e logo a seguir deixa os músicos a mostrar o que valem. E aí é Kris Bowers nas teclas que faz o figurão. Foi um daqueles momentos de transcendência, onde parece que surge uma aura à volta daquela pessoa e dá um toque de perfeição a tudo. O som sai perfeito, numa harmonia libertina, cheia de free jazz. Por entre contra-tempos difíceis, surripia uns acordes da Use Me do Bill Withers e deixa aqui o crítico embasbacado.
Volta o José James e canta a Grandma’s Hands, mais uma bela versão, numa homenagem digna do artista em questão. Logo a seguir vai buscar vinho, que parece ficou adepto das nossas uvas. A banda fica a tocar como quer e vem a Desire do The Dreamer.
E se já tinha referenciado o Bill Withers, não podia faltar o senhor Marvin Gaye – um habitué nos concertos de José James. Não foi a I Want You, mas sim a Mercy Mercy Me (The Ecology), bem arranjada pela banda e com uma voz a acompanhar que não falha. Voltou às brincadeiras dos loops com a voz, como se a garganta fosse uma drum machine, talvez inspirado no Bobby McFerrin (o filho Taylor já acompanhou José em vários concertos).
Quase ninguém se apercebeu da versão de José James ao temazaço do Marvin Gaye, mas a procissão continuava e lá apareceu com dois dos temas mais conhecidos do novo álbum: Sword + Gun e Do You Feel. O público respondeu. Aliás, o público foi estando cada vez mais receptivo à sonoridade de José James e, se ao princípio seria dos poucos a abanar, nesta fase a malta no Hard Club acenava cada vez mais àquela bela miscelânea entre a soul, jazz e hip-hop.
Para terminar vieram uns quase 20 minutos de uma das melhores músicas de José James: Park Bench People, do seu primeiro álbum, The Dreamer. Se as outras músicas tinham sido alongadas (algumas talvez demais), esta aqui prolongou-se até depois do final anunciado. Os músicos saem, vêm as palmas e assobios de gente efusiva, e lá volta José James primeiro para interpretar a surpresa da noite: partes soltas de Lithium e Rape Me dos Nirvana, para logo a seguir fazer um jam vocal entre os dois temas da banda de Kurt Cobain e a Park Bench People e acabar com esse mesmo tema.
Um concerto de gigante, apesar de meia sala vazia. Uma ode ao jazz, à libertinagem do instrumento, quer este seja a voz ou umas teclas de órgão. Se continuar por este caminho, um dia ainda alguém vai dizer aos netos: “sabes, eu vi José James quando tinha a tua idade”.

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