os dez de 2010 - parte II

2. Seu Jorge & Almaz

Do Brasil, com Amor

Seu Jorge & Almaz são: Seu Jorge, Pupillo (bateria), Lúcio Maia (guitarra) e António Pinto (baixo). Para o público português, Seu Jorge dispensa apresentações; Pupillo e Lúcio Maia fazem parte dos Nação Zumbi e António Pinto foi o compositor das bandas sonoras de Estação Central e Cidade de Deus. Reuniram-se com o propósito de gravar um tema para Linha de Passe, um filme de Walter Salles, mas a química em estúdio foi tal que decidiram prolongar as sessões, nascendo assim um projecto, de forma espontânea.


"Aqui, o único líder é a música" - afirma Seu Jorge. E esse respeito faz-se notar pela liberdade das escolhas musicais, pelos sons produzidos, misturando sem pudor Samba com Rock com Funk com Soul, hits com obscuridades, português com inglês. Tudo valeu, pelo prazer da música - versões para Jorge Ben (Errare Humanum Est), Michael Jackson (Rock With You), Kraftwerk (Das Model), Roy Ayers (Everybody Loves The Sunshine), entre outras.

A capacidade de nos transportar espacialmente é uma das características transversais deste álbum. Com produção de Mario Caldato (Beastie Boys), a liberdade atingida é de difícil catalogação. Fica o mergulho no espaço, a voz nebulosa de Seu Jorge em simbiose perfeita com o som dos Almaz, a banda-sonora de um filme que podemos ver dentro das nossas cabeças.

Filipe Cravo




3. Jamie Lidell - Compass

Shaken, not stirred

É perfeitamente aceitável que a primeira vez que se tropece em “Compass” se pense em mais um álbum daqueles de blue eyed soul. A artcover indica o caminho. Os tons sépia da fotografia do autor contrastam com as labaredas rubras que lhe escapam da boca (props para o artista).

Desde “Multiply”, em 2005, que Lidell era um daqueles artistas cujo trabalho facilmente se veria a breve trecho nos profundos domínios do funk ou então se transformaria no novo Jamiroquai. Ainda bem que “Compass” é incomparavelmente mais “sujo” do que aquilo que “Multiply” ou “Jim” poderiam sugerir.

Entre as colaborações neste álbum podemos contar com Beck, Chris Taylor dos Grizzly Bear, Pat Sansone dos Wilco, Nikka Costa ou Leslie Feist. Garante da soma de electrónica, R&B, hard-rock e experimentalismo ao funk e ao soul, como se Lidell depende-se deste tipo de incentivos...

Podemos esperar sintetizadores e distorções nas vozes como prato forte do álbum. “Completely Exposed” estala com beatboxing e baixo poderoso, voz clara e límpida de Lidell. “Your Sweet Boom” mantém o nível e começa a sujar as mãos, distorções na voz e electrónica em pano de fundo.
“She Needs Me” forma parelha com “It’s A Kiss” no que a cheesy histórias de sedução diz respeito, interpretadas no característico soulfull tone da temática. Um oito de nota humorística para dois dos temas mais interessantes do disco.

“I Wanna Be Your Telephone” é Prince só que vezes 15 e “Enough’s Enough” soa a rua, duas faixas com “dedo de Beck”. Já as teclas de “The Ring” são Stevie Wonder, mas aqui o que há a reter é a distorção nas guitarras, e, uma vez mais, os baixos.

Daqui em diante a coisa complica-se. A segunda parte do álbum é ainda mais arrojada. É aqui que Lidell encrostou “Compass”, só para que ninguém desligue a aparelhagem antes de escutar a faixa que dá nome ao álbum, cheia de tons épicos, guitarras melódicas e ecos, intercalados com precursão demolidora, electrónica… e mais distorção.

“Gipsy Blood” bem que podia ter ficado esquecida numa bobine nos estúdios de gravação. “Coma Chameleon” e “Big Drift” são faixas extraordinárias, com capacidade para voltar a erguer o álbum ao nível demonstrado, e para fechar qualquer disco, “You See My Light” cumpre o requisito com distinção.

Quem diria que Lidell faria esta brilhante transição do techno underground dos Super Collider para as fantásticas colaborações com os Simian Mobile Disco?

Há quem classifique o álbum como “demasiado agitado” e “desconexo”. São duas características inerentes à personalidade do autor. E, na minha modesta opinião, alguém quer o funk não agitado?

Pedro Nunes





4. Sharon Jones & The Dap-Kings - I Learned The Hard Way

Furacão Doce

Keep Putting Soul Up é o lema da Daptone Records. É precisamente isso que conseguem fazer estes senhores de Brooklyn, elevar a alma em períodos conturbados.

"I Learned The Hard Way" é o quarto álbum deste projecto e mostra uma máquina cada vez mais bem oleada, sem espaço para o erro ou sobreprodução. Existe uma aproximação aos métodos de trabalho dos anos 60 e 70; as gravações feitas analogicamente, a utilização de instrumentos originais dessa época, a aparente simplicidade dos arranjos - resultado de um nome maior da editora, um senhor que não convive bem com a mediocridade: Bosco Mann.

A voz de Sharon Jones está como sempre, quente e potente! E a banda mantém-se com níveis de confiança altíssimos, típico de equipas que se começam a esquecer do que é perder.

De todos os seus álbuns, este será o menos áspero, ou melhor, o mais suave. Se nos outros trabalhos havia uma maior tendência para o funk puro e duro, em "I Learned The Hard Way" o caminho faz-se de forma mais pacífica, seguindo a harmoniosa receita Soul Pop da Motown+Stax. No entanto, para mostrar que a costela deep-funk ainda não se perdeu, SJ&DK finalizam o álbum com "When I Come Home", uma faixa bónus extremamente poderosa que só peca por acabar tão cedo.

P.S. : Não percam esta(es) senhora(es) ao vivo!

Filipe Cravo

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