Cascais CoolJazz, segunda parte

Charles Bradley & Menahan Street Band

Tenho dificuldades em explicar o que aconteceu. Este não é um senhor vulgar. Tem uma história de vida que dava para meia dúzia de programas da tarde e, no entanto, aparece em palco com a inocência de uma criança. De fato branco à oficial da marinha, desliza pelo chão com os seus botins de tacão como um fantasma. Comove-se, agradece, chora. Carrega nos ombros o peso de uma vida passada a sonhar com o palco e canta “No Time For Dreaming”. Quem é este homem? 62 anos e ainda faz o split à James Brown, dança o boogaloo e grita como o padrinho da Soul. Será possível? Não brinca em serviço, faz o que sente que tem de fazer e nós agradecemos. It’s the real thing! Não se pense que por ter feito imitações de JB é apenas um clone do mesmo. Vai muito para além disso. A honestidade passa pelo reconhecimento das referências e o caminho faz-se assimilando novas descobertas. Charles Bradley é, julgo, o mais próximo que se pode estar da essência Soul. O alma com que interpreta os seus temas é arrepiante. Mais do que uma atitude ou uma linguagem, a Soul é um modo de vida e Charles Bradley é disso exemplo máximo. A sua voz não é polida, é crua e visceral, ao ponto de expor uma genuinidade cada vez mais ausente da sociedade actual. Nem todos estão preparados para isso e, como consequência, há quem reaja com expressões de entusiasmo hipócrita. Charles Bradley não percebe, ou finge não perceber, e continua a distribuir amor de forma indiscriminada. Visivelmente emocionado, desce do palco e, durante vários minutos, abraça o público, um a um, enquanto a banda vai improvisando um interlúdio para Golden Rule. Quando finalmente regressa, mais um split e uma pose digna de um jovem JB, agarrando o microfone de joelhos enquanto grita “go back, go back to the golden rule”. Os temas parecem voar uns atrás dos outros e Charles Bradley dança como se estivéssemos nos anos 70, naturalmente (graças a Deus!) old-school, transpira, it’s the cold sweat!, e às duas por três saca a mais recente versão de “Heart of Gold”, de uma beleza capaz de arrepiar Neil Young. A banda, os Menahan Street Band (erradamente apresentada pela organização como The Budos Band) manteve-se impecável, executando na perfeição um som cada vez mais característico da Daptone.


O tempo é que teimava em passar rápido. Tão rápido que Charles Bradley nem cantou todos os temas do álbum. Tão rápido que quase nem se deu pela sua despedida. Tão rápido que, quando saiu do palco, começaram de imediato a desmontar todo o equipamento, deitando por terra qualquer esperança de encore. 40 minutos de concerto. Não se conseguiu evitar um sabor amargo. Foi como ver passar um meteorito, soube a pouco.

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