Cascais CoolJazz, primeira parte

The Budos Band

Num cenário natural fantástico – Parque Marechal Carmona, Cascais – logo a seguir à curva da baía, ali como quem sai do nosso Monte Carlo à portuguesa, esperava-se um final de tarde agradável. O palco tirava partido das frondosas copas das árvores e, em particular, de uma palmeira que nos atirava à força para ambientes mais quentes, não fosse o vento ciclónico e o frio lembrar-nos que afinal era mesmo uma noite de Verão lusitano.

Às 21h em ponto, sobem ao palco dez barbudos, com ar de quem acaba de atravessar um deserto. Não houve tempo para contemplações. De imediato, a secção de sopros prova ser bem mais potente que o vento, fazendo saltar o capachinho ao senhor de camisa rosa-salmão, sentado na secção VIP do festival. Desde então, a cada sopro, levaram-se as mãos à cabeça um pouco por toda a plateia, num misto de euforia e precaução. As pausas entre os temas, maioritariamente do último álbum (III), eram praticamente inexistentes, não dando qualquer possibilidade de descanso – apesar de a maioria permanecer sentada, não fosse o pó sujar os delicados mocassins. Ao final do terceiro tema solta-se a voz de Jared Tankel – senhor do Saxofone Barítono – e, com ele, toda a banda, incentivando o povo a dançar enquanto erguiam repetidamente os punhos ao estilo Fela! Foi então que se deu a divisão das massas – enquanto uns se entregaram de corpo e alma à dança, outros franziam a testa, procurando disfarçar o incómodo cruzando as pernas e esticando o vinco das calças.
Entre dentes, teciam-se comentários próprios de quem não sabia exactamente o que se estava a passar – “eu pensava que esta banda era mais estilo Sassetti…”

De facto, o que se ouvia não era Jazz, mas era Cool! Aliás, o estilo dos The Budos Band nunca foi fácil de catalogar. Como toda a boa música, nunca se interessou por gavetas. Bebe de várias fontes e produz-se na melhor fundição. O que interessa saber é apenas isto: tem o poder de nos fazer respirar ares abafados, movimenta-se em zonas perigosamente cinematográficas e destila um veneno mortífero chamado Groove. O resto são cantigas!

Entretanto começa a desenhar-se um terceiro grupo na multidão, os que tiravam fotografias desfocadas a tudo o que mexia e se desengonçavam longe do ritmo da música – deixando no ar a ideia de que, afinal, as nuvens de fumo com cheiro vegetal talvez não fossem provenientes do incenso Nag-Champa.








Thomas “TNT” Brenneck, guitarrista (também dos Dap-Kings e dos Menahan Street Band), comanda a banda de forma exímia e discreta. Ao seu sinal, começam e acabam, por exemplo, Rite of The Ancients, Unbroken, Unshaven ou Budos Rising, alguns dos temas-chave da noite. O senhor das congas parece um índio gigante, próprio de um Western-Spagetthi clássico, punindo freneticamente aqueles objectos de percussão sem dó nem piedade. Deambulando sem cessar pelo palco, o senhor do baixo com nome de família pouco católico, Daniel Foder, dava nas vistas não só pelo seu aspecto eremita mas também pelo modo pouco ortodoxo como tocava – muitas vezes na vertical, usando a parte de trás do baixo como percussão. Nos sopros, de destacar a alegria contagiante do tal MC de serviço, Jared Tankel, sempre pronto a gritar “let’s party!”. Os restantes membros, apesar de mais contidos na exuberância, nunca se desleixaram na energia depositada, levando o colectivo a atingir assombrosos picos de simbiose para uma banda com dez elementos.

De realçar, a enorme distância entre o som dos álbuns gravados em estúdio e a banda ao vivo! Para melhor! Os três álbuns e o EP editados pela banda são muito bons, mas correm o risco de soar à repetição de uma boa fórmula. Por outro lado, ao vivo, o ritmo frenético das congas, bateria e restantes elementos de percussão, a potência avassaladora dos sopros e a profundidade das cordas e do teclado não dão espaço para levantar questões ou dúvidas. O som atravessa literalmente o nosso corpo e arranca-nos pela raiz. Há qualquer coisa de primitivo nesta experiência, uma emoção que levanta do nosso sangue as vozes de remotos antepassados, muito mais instinto que razão. Talvez por isso, quando acabaram de tocar, o senhor da camisa rosa-salmão pôde finalmente tirar as mãos da cabeça e, em coro, grande parte da plateia suspirou de alívio e foi afogar-se em margaritas.

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